9 de outubro de 2011


11.

Não sei se o meu reconhecimento por outro que não eu, me traz mais felicidade que aquele meu – dentro do meu eu, mas que o vê com prazer precisamente por ser criação.
E não é quase maior eu saber-me bem mais com uma geometria de muitos mais vértices do que aquela quase esfera por que me faço apresentar?
Ser mais pequena enquanto me imiscuo de fios. Só podemos realmente fingir quando sabemos aquilo que somos.
Se não, fingimos o quê e de quê? Não fingimos e é tão só outra parte de nós. Aí tudo é pleno e não somos mais do que aquilo que somos.
Se não fingir, seremos só nós e um tédio imenso de me saber um só.

10.

Se eu tivesse um mestre talvez tudo fosse mais simples. Herdando tudo o que aprendera com outro mestre eu seria uma espécie de relato vivo e moldado à sua visão. Seria tão dele que restar-me-ia tentar ser-me de alguma forma. Não vejo como pudesse ser entristecedor, o poder ser eu e outro maior. Eu teria sempre de existir e meu mestre existiria sempre – um tentando ser o outro já existido.
Sem mestre, só me sei enternecida pelo anarquismo – uns traços e umas ideias estrambólicas sem pai nem mãe a desafiar o que não vejo criado, a não ser dentro de mim.
Há algum perigo nesta leviandade, imenso se o quiseres. Como se desses á luz uma criança e a deixasses ir pelo mundo quando ela própria nem andar sabe.

24 de setembro de 2011

9.

Procuro-te. Não sei se fujo, se me ressinto do tempo que não vivi. A casa está fechada e a porta continua com a mesma fresta ansiosa. Abandono-me à ideia de um Deus que escolhe do Seu altar quem não é mais preciso. Escolheu-te a ti… Que justiça esta, que faz o mar descer à terra, que resguarda silêncio no cimo da montanha e se desvenda na infinitude da planície. Sabes… pudera eu emudecer-me no olhar de um Deus que se esquece que manda.

1 de setembro de 2011

8.

Está escuro. Uns olhos, que não os meus, procuram impetuosamente o desconhecido, a intermitência das formas, a violência do retrato sem face, gestos ininterruptos, ruidosos de vento. Espelham-se almas, na plenitude do escuro. Ouvem-se ecos no vazio.
Pudesse eu comunicar com as almas que se dispõem em forma de cruz... Chega a ser vil, o som preso nos lábios, a garganta seca de ansiedade, as palavras encharcadas de suor.
As almas, essas não se cansam, deslizando nas pontas dos pés descalços, levantando as mãos, como bailarinas indiferentes ao público que as assiste. Em que mundo viverão?
Aos poucos, uma sombra quase imperceptível vai desenhando objectos no escuro. Uma ténue neblina cobre o quarto vazio, como uma lenta morte indolor. Nasce o dia.

21 de julho de 2011

7.

Ver para mim é talvez o que de mais importante existe. Não o ver por ter de ver, mas o ver indo vendo. Numa tremenda sensação de continuidade e forma, de uma imagem que rouba uma outra mais antiga e tudo o que nela encontrei. Temo que a visão quando olhada – como um túnel relembrando cornucópias, possa bem ser mais que a própria família. Não que coisa alguma tenha a ver nem que seja possível de medição aritmética mas deu-me agora um medo em estado latente quando já quase minha mente dormia enquanto meus olhos permaneciam despertos que cheguei a temer aquilo mesmo que via sem pensar.
O candeeiro do meu quarto é tão aprazível que chego a escrever só de olhar para ele, como a cafeína em estimulante. Agora mesmo chego a temer que sua luz se apague e me reste o escuro para escrever. Sou talvez como um raio, um movimento directo que precise de uma causa – efeito demasiado obvia para agir. Repugno tanto a dependência humana e afinal eu mesma não me vejo sem esta luz.
Ele é talvez o que de mais belo há no quarto. Ele e este silêncio primoroso. Os dois: um escrevendo e o outro segurando as palavras.
Têm-me dito que a música é importante – é quase como se me faltasse uma parte do corpo, talvez um pé…
Porém, só me resto em silêncio.
Muitas vozes é aliás como uma orquestra desafinada, talvez mesmo uma boa orquestra. É uma espécie de acumulação de sons que encobrindo a singularidade de cada um denuncia isso mesmo: o fatídico que há no conjunto. Um grupo de pessoas para mim é sempre fatal em si mesmo - pelos corpos sozinhos e únicos que vejo desfazerem-se no chão.
Ao menos o silêncio vem de dentro.
Pensei também no toque dos corpos de que falam os amantes, mas nada disso me entristece mais que ficar sem poder olhar.
Talvez o ouvir. Talvez as palavras saindo de uns lábios desejados, indesejados, seja tão próximo de mim como o olhar. Mas vindo de mim, estando eu em causa sou sempre muito ingrato nessa minha posição – pois que anseio ouvir até à exaustão na busca de me surpreender. E minha ânsia é tanta que chego a esquecer-me de falar…
É melhor falar-se ou ouvir-se? Nunca soube responder.
Tive sempre uma obsessão louca pelo prazer. Como se ele fosse meu Norte. E a ser assim não me contento com o meu prazer, mas desejo ainda mais o prazer do outro. Para que na mesma sala tenha um prazer a dobrar… O meu parece-me tão pequeno sozinho. É talvez mais do que isso. Eu desejo o vosso prazer, e assim o meu será sempre três vezes menor.


4 de fevereiro de 2011

6.

Sinto em mim a desafinação de uma orquestra inteira
Como se tivesse ouvido já cem mil vezes aquele piano tocar, e fosse a primeira vez que o acompanho. Caio na apatia própria de quem já não sabe se o que sempre fez foi realmente feito por mim, se por todos aqueles que assistiam como publico.
Sinto-me um espectador do fantasma da ópera, cujos sons e intensidades relembram a vida em cena. E eu não quero tocar mais. Não quero tocar mais

5.

Talvez tenha que reconhecer que em mim todos os fins chegam mais cedo.
Sentam-se longe, naquele vão de escadas. Não os vejo, é certo, mas sinto, ainda que longe, o troçar do meu destino. Como se soubessem que vivo em ilusão, como se fossem pressagio certo de todos os meus fins. Falam entre eles e chegam a ler o jornal, enquanto me assistem temporariamente crente em alguma coisa
Fazem-me crer que é verdade, só para que sinta em contraste [a viver] o que é sentir e acreditar em qualquer coisa

3 de fevereiro de 2011

4.

Vemo-nos noutro lugar. Mas que lugar é esse?
Só me parece possível o lugar dos sonhos. Esses são universais, qualquer subconsciente ou consciente os pode ter, sendo que alguns podem mesmo chegar a sê-los. Para além disso, o sonho pode levar-nos onde quisermos. Preciso eu de viajar? Então prefiro sonhar, porque sou livre. E mesmo quando viajo, se não for pelo sonho não chego sequer a fazê-lo, porque em mim as sensações activam-se do sonho e os sonhos activam as sensações.
Crendo que o sonho é a arma do Criador, sou levado a concluir que, havendo um Criador de todas as coisas, então o sonho é anterior a tudo, talvez mesmo ao próprio Criador, pois é o lugar metafísico de tudo o que nasce e vive.
Vemo-nos pois no lugar dos sonhos.

1 de fevereiro de 2011

3.

Sou caixas apocalípticas.
Não passo de uma alma vulnerável.
Mas em mim, em vez de palavras ouvidas, resta-me o silêncio de dentro.
Tantas vezes que ele, impedido de ver, escreve desmesuradamente dentro de mim.
Já lhe pedi que me dê voz e não me deixe Cruzadas em plena batalha no meu pensamento.
É que depois dá-se o problema de eu não os querer nalgum momento, e sentir já só um palco de guerra em mim. Por isso é que eu acho que tantas vezes não consigo atingir a plenitude noutra coisa, que não neste pensamento

31 de janeiro de 2011

2.

Arde em mim qualquer coisa que não sei o que chamar, como um espelho que não reflecte imagem. Não sei sequer se será real, ou uma contradança da alma.
É um eco surdo de ser tudo o que não sou, uma vontade de respirar por outro eu, ou por mais um eu, de sentir outro chão quando olho o chão que piso. É, posso dizê-lo, uma solidão que não se vê, mas que o corpo, ainda que não esteja em contacto com ela, sente.
Como sou um experimentador de sensações, deixo que este ardor se apodere de mim, evitando qualquer movimento ou pensamento que o possa perturbar, como quem aprecia um traço sem forma. Então, percorre-me uma música sem som e o meu corpo, como quatro paredes brancas, pulsa ansiosamente como se fosse percorrido por trinta mil cavalos.