31 de janeiro de 2011

2.

Arde em mim qualquer coisa que não sei o que chamar, como um espelho que não reflecte imagem. Não sei sequer se será real, ou uma contradança da alma.
É um eco surdo de ser tudo o que não sou, uma vontade de respirar por outro eu, ou por mais um eu, de sentir outro chão quando olho o chão que piso. É, posso dizê-lo, uma solidão que não se vê, mas que o corpo, ainda que não esteja em contacto com ela, sente.
Como sou um experimentador de sensações, deixo que este ardor se apodere de mim, evitando qualquer movimento ou pensamento que o possa perturbar, como quem aprecia um traço sem forma. Então, percorre-me uma música sem som e o meu corpo, como quatro paredes brancas, pulsa ansiosamente como se fosse percorrido por trinta mil cavalos.

30 de janeiro de 2011

1.

Pensei que, como em tudo o que é humano, também aqui o reconhecimento fosse como o alimento da tua progressão
Porque em tudo quanto há ambição há portas de pessoas que te rodeiam
Porque o prazer de seres compreendido naquilo que tecnicamente nos une, é o impulso de mais quereres
Mas não aqui. Em tudo, mas não aqui.
Não há textos magistrais, há pensamentos eloquentemente bem fotografados, e onde mais que a imagem, deixam as palavras por detrás dos olhos
E por isso, não penses na perfeição, nem tão pouco em reler-te, porquanto o que te restará são tão só partes de ti numa liberdade transversal no auge do teu ser
Mas por isso, não penses na perfeição, nem tão pouco em reler-te em tudo quanto escreves, porque serás sempre metade
Como qualquer heterónimo que esconde a sua identidade, como qualquer criança que teme o desconhecido antes de lerem qualquer obra tua, sentes sempre o receio da negação…
E pensava eu, que essa era a maior das críticas que alguém um dia podia ter. Pensava eu, que o meu maior desgosto traria em si a depreciação de tudo quanto escrevo.
Em vez disso, percebi ontem o que se passava realmente
A verdade, é que parece que os meus escritos não são mais que eu própria. E ora que ainda que eu tente transcrever-me em papel parece que sempre ficarei em mim.
Não nego o meu gosto por tudo quanto é subjectivo e abstracto, mas reconheço que não tinha percebido ser esta a limitação dos meus textos para chegar a vós.
Pensei sobre isto
E não há nada a fazer.
Abomino a concretude, e o que é pratico não é teórico.
Ainda pensei que esta ausência de compreensão (ou a inércia do seu esforço) me traria algum desgosto, porque pensei em segundos tê-lo sentido
Mas nesse instante enterrei inseguranças – estas, manifestamente inferiores, ascenderam em mim na certeza e na força de tudo quanto vi, de tudo quanto senti
Não fosse esta a maior das verdades, e a consciência consciente das palavras servas que vejo em tudo o que olho, e a angustia da tua incompreensão poder-me-ia ter morto a sublime ambição [que também aqui tenho]